Mulher do Gênesis ao Apocalipse

Doutor Scott Hahn

 

A lógica do amor é o que faz sentido no plano de Deus, desde o Gênesis até o Apocalipse

Quero partilhar, a partir da Palavra, sobre a Mãe de Deus e sua família. Mas eu preciso dar um passo atrás para poder ter uma visão de perspectiva, porque minha vida espiritual não começou como católico, mas sim como um protestante. Na verdade, indo mais para trás, eu comecei como um “fora da lei”.

Aos 14 anos, eu fui preso por causa de vários pequenos crimes. Minha mãe gostaria que eu não mencionasse isso em público, mas foi ali que eu encontrei Jesus, ou melhor, que Ele me encontrou e estabeleceu comigo um relacionamento pessoal. Uma nova vida, totalmente nova.

Imediatamente, comecei a ler a Bíblia; ainda adolescente, nos três anos seguintes, li a Bíblia três vezes e me apaixonei pelo Senhor Jesus que está na Sagrada Escritura. Eu tinha vários amigos católicos que não conheciam a Palavra, que viviam como se não conhecessem Jesus. Então, eu os coloquei na minha mira, porque queria trazê-los para que vissem a luz de Jesus. E isso não foi muito difícil, porque eles não conheciam a sua fé.

Após dez anos, algo aconteceu comigo. Foi uma experiência com o Espírito Santo que eu vivi sozinho. Eu ainda estava no segundo grau, pedindo ao Senhor que me desse os dons do Espírito Santo, e isso aconteceu de uma maneira muito inesperada. Eu estava rezando sozinho e a mim foi dado o dom do Espírito Santo. Aconteceu comigo a mesma coisa que vemos no Evangelho de Lucas, capítulo 24: meu coração começou a queimar dentro de mim. Então, no meu estudo da Bíblia eu encontrei a chave que ia abrir a porta de uma nova vida. Eu descobri que essa chave é ter a noção de aliança. Deus faz uma aliança conosco. Há a antiga aliança e a nova aliança; e eu estava lendo isso tudo do começo ao fim, desde o livro de Gênesis ao Apocalipse.

Entrei na faculdade e estudei grego; assim, comecei a me aprofundar mais e mais na Bíblia. Depois de me formar, casei-se com a mulher mais linda do mundo. Juntos, nós ìamos aos seminários bíblicos para estudar ainda mais. A minha oração obteve resposta, porque eu aprendi hebraico e pudia ler o Antigo e o Novo Testamento na língua original.

Depois de mais três anos de estudos, eu estava pronto para ser ordenado. Foi aí que eu fiz uma descoberta extraordinária: os padres da Igreja primitiva. Santo Irineu, São Justino Mártir, Santo Agostinho, Santo Ambrósio e muitos outros. Eu lia as homilias desses padres da Igreja primitiva e o que eles me ensinaram e fizeram comigo foi trazer a Bíblia mais viva do que quando eu aprendia dos meus professores na faculdade. Como Santo Agostinho diz, o Novo Testamento está escondido no Antigo Testamento e o Antigo Testamento se cumpre no Novo Testamento.

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Os padres da Igreja primitiva construíram para mim uma ponte e não um muro. O meu amor por Jesus simplesmente decolou e, nesse processo, descobri a verdade da Eucaristia como a Páscoa da Nova Aliança, como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Até que um dia eu decidi fazer uma coisa que eu nunca teria me permitido antes, algo que eu nunca quis fazer, algo que eu considerava perigoso: fui à Missa.

Ali, eu ouvi a Bíblia, ouvi a primeira e a segunda leitura, o Antigo e o Novo Testamento. A Escritura tornou-se viva. E quando passamos da Liturgia da Palavra para a Liturgia Eucarística, eu escutei, pela primeira vez, um padre pronunciar as palavras da consagração; no meu coração e na minha mente, eu sabia que aquilo não era mais pão.

No Antigo Testamento, as pessoas tinham de comer o Cordeiro; no Novo testamento, também comemos o Cordeiro. As pessoas que estavam próximas de mim começaram a cantar “Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”, por três vezes, e então o padre disse “eis o Cordeiro de Deus”. Aí, a luz se ascendeu. As pessoas iam à frente para receber a comunhão e eu voltava para trás tentando ler o livro do Apocalipse, da revelação, onde Jesus é chamado de vários nomes como ‘Senhor dos Senhores’, ‘Rei dos reis’, mas o nome que mais tem nesse livro do Apocalipse, é ‘Cordeiro de Deus’, vinte e oito vezes em vinte e dois capítulos. Eu não sabia por que até aquele dia, até aquela Missa.

Eu estava vendo, diante de mim, o ‘Cordeiro de Deus’, o ‘Santo, Santo e Santo’, o ‘Aleluia’, o ‘Amém’. João descreve, no Apocalipse, que viu Jesus como sumo sacerdote, o céu se abrindo e os vinte e quatro anciãos usando vestes, do mesmo jeito que eu estava vendo aquele padre vestido liturgicamente. Eu percebi que estava no céu, que a nova aliança estava se cumprindo.

A chave para a Palavra de Deus é “aliança”. Mas, eu achava que aliança tinha o mesmo sentido de contrato; nos Estados Unidos, as duas palavras são sinônimo. Em Israel antigo, um contrato simplesmente estabelece “isso é meu”, “isso é seu”. Numa aliança, estabelece-se que eu sou seu e você é meu. O contrato envolve a troca de propriedades; a aliança envolve comunhão de personalidades. Você faz um contrato quando troca mercadorias por lucro, por exemplo, mas você cela uma aliança em nome do sacrifício e do amor.

Jesus estabeleceu uma nova aliança, não um novo contrato. A nova aliança é uma união familiar, não uma empresa ou uma fábrica. Uma aliança com um filho, não com um escravo; uma família que pertence a Deus.

No mesmo tempo em que eu estava fazendo essa nova compreensão, eu estava em preparação para o casamento; foi aí que eu compreendi que, em Israel, antigamente, ninguém confundia as duas coisas. Confundir aliança com contrato é o mesmo que confundir casamento com prostituição. Não faça isso. Deus estabeleceu aliança.

A primeira aliança foi o casamento entre Adão e Eva, e esta foi quebrada pela desobediência. A segunda aliança foi com Noé, sua esposa e seus três filhos que se casaram já na arca. Depois veio Abraão, que de chefe de uma tribo passou a chefe de uma nação. Depois dele, Isaac e Jacó com doze filhos que se tornaram as doze tribos de Israel. Em seguida, por meio da Páscoa, da passagem, aquelas doze tribos se tornaram uma nação, a família de Deus.

Quando você passa do Antigo para o Novo Testamento, você passa de uma família nacional para uma família internacional. Deus não está mais como pai de uma nação, mas de toda uma família universal. Foi aí que eu descobri que a Igreja Católica é a família universal de Deus.

Quando li o Antigo e o Novo Testamento como um plano de aliança, percebi aquilo que os padres da Igreja primitiva descobriram, que Jesus é o novo Adão. É assim que São Paulo O chama na carta aos Romanos e aos Coríntios, e é isso que encontramos também no Evangelho de João.

No Evangelho de João, capítulos 1 e 2, você vai ver que há uma relação muito próxima com Gênesis. As palavras que abrem Gênesis, capítulo 1, versículo 1, são “no princípio”. As primeiras palavras do Evangelho de João 1,1 são “no princípio”. Em Gênesis, no começo, Deus criou tudo pelo poder da Sua palavra; no Evangelho de João, vemos como aquela palavra se torna carne. A palavra de Deus não é simplesmente uma força, mas uma pessoa, o Filho eterno do Pai divino, que entra na nossa família para nos levar para a família eterna.

No Antigo Testamento, as pessoas olhavam para Deus Pai com reservas. Não rezavam ao Pai como Jesus ensinou no ‘Pai Nosso’. Ele ensinou aos discípulos a rezarem como nenhum rabino anteriormente havia feito, chamando Deus de Pai. O “Senhor, meu pastor” do Antigo Testamento se torna Cordeiro e transforma as Suas ovelhas em Sua família. Precisamos ler o Antigo e o Novo Testamento juntos.

Deus quer que nos tornemos santos e não sejamos, simplesmente, gente comum. Mas, para isso, nós precisamos nos alimentar da Sua palavra, e nesse processo vamos descobrindo não somente que Deus é nosso Pai, mas que Maria é nossa amada Mãe.

Voltando para o livro de Gênesis e o Evangelho de João. No início era a Palavra, a Palavra estava em Deus e a Palavra era Deus, tudo foi feito por Ele. Da mesma forma, você lê em Gênesis, capítulo 1, onde Deus diz: “Seja feita a luz”; e no dia seguinte, Ele cria o céu e o mar. Em seguida, cria a terra e a vegetação.

No primeiro capítulo de João, depois das palavras “no princípio”, há novamente “no dia seguinte” no versículo 29; no versículo 35 há de novo “no dia seguinte”. No versículo 43, “no dia seguinte”. No Gênesis, Deus criou todas as coisas para consagrá-las no sétimo dia. Ele fez homem e mulher, sendo que o homem Ele fez primeiro. No versículo 2, lemos que o homem acorda de um longo sono e percebe que tem a sua companheira, e ele a chama de “mulher”, os dois se tornam ‘um’ numa aliança e não num contrato. Mas essa aliança foi rompida logo no capítulo seguinte.

No capítulo 2 de João, versículo 1, há um casamento em Caná da Galileia no terceiro dia. Mas a que se refere o dia três? Você tem quatro dias e depois você tem mais três, somando você tem sete dias e há um casamento. Não sabemos o nome da noiva, nem do noivo. Os dois únicos personagens mencionados nesse casamento são Jesus e Maria, mas Ele não a chama de Maria, Ele não a chama de mãe, Ele a chama de mulher. E aí Jesus traz uma nova aliança, uma nova criação: Ele como novo Adão, e nos apresenta a nova Eva.

Deus revela uma nova aliança por meio de um novo Adão e de uma nova Eva, que foram preservados do pecado original. A aliança que havia sido rompida foi restabelecida e realizada pelo poder do Espírito Santo. Antes de Jesus dar o seu suspiro final, Ele nos deu a sua própria Mãe. Não a chama de Maria, não a chama de mãe, novamente Ele se dirige a ela dizendo “mulher”, “eis aí o seu filho”, referindo-se ao discípulo João. Mas João não é o único discípulo amado, todos nós o somos. João não foi o único que recebeu uma Mãe naquele dia, todos nós recebemos.

O novo Adão foi para o jardim do Getsêmani e, assim como Adão, também foi tentado. Mas, o novo Adão foi para a árvore certa e a nova Eva segue esse novo Adão para essa árvore correta, onde Ele deu o seu último suspiro, e do seu peito aberto saiu água e sangue. A água do batismo no Espírito, o sangue da nova aliança e a mulher estavam ali para nos provar que agora somos da família de Deus.

Paulo nos ensina, em Romanos e Gálatas, que partilhamos a filiação de Jesus e podemos chamar a Deus de Pai e Maria de Mãe. Em Apocalipse, encontramos ainda que, no centro da história da salvação, está a revelação de Jesus e Maria. E no centro da revelação visionária de João está Jesus e Maria. João diz, “eu vejo uma mulher, banhada pelo sol, com a lua sob seus pés, coroada com doze estrelas”, essa mulher é a Mãe de Deus. Essa mulher é nossa Mãe e isso é um grande presente.

No capítulo 12 do Apocalipse, tem algo mais: a serpente antiga, que é o demônio. O demônio é assim chamado, porque essa foi a forma que ele assumiu no Antigo Testamento, em Gênesis, para tentar nossa mãe, nosso pai. A primeira promessa de Deus para nos salvar foi que a mulher iria pisar e esmagar a cabeça da serpente.

Essa mulher é diferente de outras personagens do Apocalipse. Ela é vestida com o sol, com a lua sob seus pés. A sua cabeça é coroada com doze estrelas, porque ela tem um corpo glorioso lá no céu e todos os santos querem se achegar a ela. A mulher no capítulo 12 de Apocalipse é a nova Eva. Ela e sua procriação esmagam a cabeça da serpente não somente lá no primeiro século, mas também agora no século XXI. Não somente no céu, mas também na terra.

A Bem-aventurada Virgem Maria não é somente a nova Eva, ela é descrita também como a arca da nova aliança e como a arca da antiga aliança que ficava dentro do templo. Ela estava lá na Jerusalém terrena, na arca feita pelos homens, mas Maria é a Arca da nova aliança na Jerusalém celestial. A arca da antiga aliança continha a palavra de Deus nas duas pedras, a arca da nova aliança contém a palavra de Deus feita carne. A arca da antiga aliança é o que conduzia a antiga Israel para as suas vitórias. A arca da nova aliança nos capacita a conquistar o céu.

Ela é também a rainha, tem uma coroa com doze estrelas. Essas doze estrelas significam as doze tribos de Israel. O seu filho é o rei de Israel e rei de todas as nações, porque Ele é filho de Davi assim como ele é filho de Deus. Em 1Reis lemos a história de Salomão e o estabelecimento de sua mãe como rainha. Ela não era rainha só aquele dia, não é simplesmente a mãe de Salomão que se tornou rainha. A mãe rainha continua sendo uma figura permanente em todo esse reinado. Então, quando Jesus veio como filho de Davi, para realizar a promessa e restaurar o reino de Davi, Ele fez isso na Jerusalém celestial. E Ele faz para Maria no céu o que Salomão fez para sua mãe na terra. Ela é coroada como mãe rainha do filho de Davi.

A minha avó era a única católica na nossa família e eu era o único cristão de verdade. Quando ela morreu, eu ainda era evangélico; e como eu era religioso, a minha família deu para mim todos os artigos religiosos dela, inclusive o rosário. Eu achava isso uma superstição e quebrei aquele rosário, achando que assim eu quebraria as cadeias da superstição que estavam presas à minha avó. Eu mal sabia que ela já estava rezando por mim, mal sabia que o rosário ia se tornar a minha oração favorita.

Nós precisamos da mãe rainha, da Bem-aventurada Virgem Maria como nunca antes. Como católicos, pertencentes à mãe Igreja, através da Bíblia, na liturgia, nós experimentamos essas verdades, do antigo e do novo sendo realizado em Jesus e Maria. Tudo que você precisa fazer, sendo católico, é ir à Missa e escutar a Palavra de Deus. Ele está dando poder à sua família; e a Mãe de Deus quer nos alimentar com a Palavra da vida na Escritura e na Eucaristia.

Transcrição e adaptação: Míriam Bernardes

 

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