Querer o que Deus quer

Padre Demétrio Gomes da Silva

Querer o que Deus quer

Padre Demétrio Gomes Silva. Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com

A prepotência humana é incapaz de conhecer os mistérios de Deus

Quero que nós nos fixemos na 1ª leitura. São João é chamado por São Tomás de Aquino como “o teólogo”. Talvez nenhum outro teólogo tenha conseguido adentrar tanto nos mistérios de Deus como São João.

Ele é representado, desde o século 2º, como a águia, porque ele começa seu Evangelho no Deus que se faz carne, ele vê das alturas. Certa vez, São João disse: “Aquilo que vimos é isso que vos transmitimos”. Ele tocou o Senhor, ouviu o timbre de Sua voz, aprendeu a mais alta teologia reclinado no peito de Cristo. Então, os mais íntimos mistérios do Senhor ele nos conta em suas cartas.

Santo Tomás, apesar de conhecer os grandes teólogos, aprendeu a verdadeira teologia diante do sacrário e do crucifixo. O conhecimento autêntico de Deus se dá de joelhos.

A prepotência humana é incapaz de conhecer os mistérios divinos. Muitas vezes, desviamo-nos do Deus verdadeiro, porque O buscamos nos livros, no Facebook… Mas a teologia autêntica é aquela feita ajoelhada. É como um “santo temor”, que nos faz querer tirar as sandálias dos nossos pés para dar um passo a mais no conhecimento do Senhor por meio dessa leitura:

“Caríssimos, esta é a confiança que temos no filho de Deus: se lhe pedirmos alguma coisa de acordo com a Sua vontade, Ele nos ouve. E se soubermos que Ele nos ouve em tudo o que Lhe pedimos, saberemos que possuímos o que havíamos perdido”.

Poder falar com Deus quando quisermos e onde quisermos é algo fantástico! Mas, infelizmente, acabamos nos acostumando com as coisas, até com a oração. E o Senhor está acessível o tempo todo. Temos um Deus que gosta de ser incomodado por cada um de nós, que gosta quando reconhecemos que precisamos d’Ele.

Santo Agostinho explica por que que o Senhor demora em nos ouvir: porque, à medida que vamos fazendo os nossos pedidos a Ele, nosso coração vai se alargando e nossos pedidos vão se transformando e se tornando muito mais sublimes.

Quando falamos, geralmente pensamos antes de falar. Mas São Bento fala o contrário: é preciso que nosso interior se identifique com aquilo que falamos na oração. Por isso existem orações tradicionais que a Igreja reza há milênios! Nossa alma precisa identificar-se com aquilo que a Igreja pede há séculos. Na oração somos convidados a assimilar a oração. O próprio Senhor nos ensinou uma oração já feita, já pronta, que é o Pai-Nosso.

Querer o que Deus quer

Peregrinos participam  da  Santa Missa, no Santuário do Pai das Misericórdias, com padre Demétrio. Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com

A Igreja não quer que repitamos uma série de palavras como robôs, mas que, conscientemente, nosso coração vá se conformando com aquelas almas que, ao longo dos séculos, rezaram uma oração e se tornaram santas.

A melhor oração não é aquela pronta ou espontânea, mas sim aque faz com que a nossa vontade se identifique com a vontade de Deus. Não é uma simpatia para pedirmos graças e milagres, mas uma oração verdadeira, eficaz, pois aderimos à vontade de Deus e só assim Ele nos ouve.

Ninguém entra no céu se não faz a vontade de Deus. A condição necessária para que entremos no céu é conformar nossa vontade com a vontade de Deus. Os homens que buscam na terra fazer sua própria vontade perderão o paraíso.

Que triste seria consumir os nossos dias na terra buscando fazer o nosso querer! Perderíamos o céu para sempre. A grande aventura da nossa vida está nisso: perseguir o querer de Deus. Essa deve ser a nossa oração: Senhor, que queres que eu faça? O que o Senhor espera de mim? Essa é a receita mais segura para ir para o céu. Descansar na vontade de Deus, querer o querer d’Ele, apenas isso importa na nossa vida. Descobrir o que Ele reservou para mim, o que Ele sonhou a meu respeito. O resumo da nossa vida é esse: perseguir a vontade do Senhor.

Iniciamos o ano cheio de metas, mas quero propor que vocês sintetizem todas as metas em uma: querer o que Deus quer. O Papa Bento XVI, quando inaugurou o seu Ministério Petrino, disse: “O meu verdadeiro plano de governo é não fazer a minha vontade, não é perseguir as minhas ideias, mas por-me à escuta do que Deus quer, da Palavra do Senhor”.

Temos acesso a esses sonhos insondáveis de Deus para cada um de nós, porque ele nos revelou em Seu filho Jesus. Sempre nos perguntamos: Por que estou na Terra? Nascemos como fruto do amor de Deus, viemos para amar e para sermos santos.

Mas será que todos nós, quando falamos do amor, estamos falando da mesma coisa? A palavra do amor diz respeito a uma só coisa? Sabemos que não. Para a maioria das pessoas, o amor está ligado aos afetos, às sensações, ao sentir-se bem, feliz, seguir o coração e fazer o que ele mandar. Mas seguir o coração é o caminho mais certo para chegarmos ao inferno. “Em tudo é enganador o coração”, diz o profeta. Nossos afetos estão manchados pelo pecado original, ele deixou em nós sérias consequências. Não dá para seguir o coração em tudo.

O cristão precisa estar disposto a sacrificar o seu próprio coração para amar de verdade. Grande parte das nossas frustrações está em tentar seguir o nosso próprio coração, tentar suprir nossas carências.

Jesus não é aquele ser fantasioso, mas um Deus manso e humilde de coração. No entanto, Ele sabe dizer: “Afasta-te de mim, satanás”. Também na correção está o amor. Quem ama corrige, quem ama diz ao outro: “Você está errado”. É por isso que a Igreja se queima tanto, porque tem de anunciar ao mundo seus erros. Isso é obra de misericórdia. É preciso querer se queimar para ser cristão. Por amor.  Amar não é dizer: “Cada um faz o que quiser”.

Quem ama o Senhor sofre até as últimas consequências para ser fiel. Aquele que quiser ser fiel no casamento, no sacerdócio, não poderá sê-lo se não estiver disposto a morrer. Para manter o olhar fixo em Deus é preciso estar disposto a ser crucificado com o Senhor. Não existe outro modo de amar senão entregando a própria vida até o sacrifício do Calvário. Isso dói, isso custa, mas é o que prova o amor verdadeiro. O amor implica renúncia, perda. Se o grão de trigo não morre, não produz frutos. Precisamos assumir nossa maturidade espiritual e não ficarmos como criança querendo só receber amor. É preciso gastar-se. Só quem descobriu isso, só quem descobriu o amor de verdade saberá o que é realmente amar.

Transcrição e adaptação: Thaysi da Silva Santos

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