Ousados como João Batista

Padre Fabricio Andrade

Padre Fabrício Andrade. Fotos:Wesley Almeida/cancaonova.com

A pessoa que é ousada é usada por Deus. Quem não tem coragem de ser usado acaba na penumbra e prostitui seu dom.

O salmo de hoje nos ajuda a entender o quanto a luz é ousada. Por maior que seja a escuridão a pequena luz tem ousadia de dissipar as trevas. Qualquer treva pode ser desfeita pela ousadia da luz. Não digo trevas, mas penumbra. Quando existe uma “luzinha”, ela tem a ousadia de dissipar a penumbra.

Começo falando da luz para entrar no Evangelho. O rei Herodes ouviu falar de Jesus, cujo nome havia se tornado conhecido. Muitos não sabiam ao certo quem Cristo era. Uns diziam que era Elias, outros que era um profeta. Uma luz incomoda quando se quer ficar nas trevas.

João Batista estava incomodando. Quando uma luz é enxergada como tal ela atrai a quem quer ser da luz e repele a quem quer ser das trevas. Ela provoca e por isso incomoda, portanto, ou me escondo ou me deixo ser enxergado. Quando a pessoa começa a viver por causa do outro, ela entra nas trevas. Herodes mandou prender João Batista por causa de Herodíades. A luz incomoda as trevas, por isso ela [Herodíades] estava se sentindo incomodada por João Batista.

A luz é ousada, ela não brilha só para um. O sol não brilha só para um, ele brilha para todos. A luz de João Batista começou a incomodar a muitos por revelar a verdade. Muitas vezes, quando somos incomodados queremos eliminar a quem nos incomoda. Temos eliminado filhos, família e amigos porque a verdade nos incomoda. Mas, você já parou para pensar que atrás do que nos incomoda existe um convite à mudança?

Herodes não tinha identidade, ele era o que os outros queriam que ele fosse. O seu ministério era ser o que os outros queriam. Ele mandou prender João Batista porque a sua plateia era Herodíades. Ele tinha medo de João, não queria ser incomodado por essa luz que lhe dizia a verdade, que era santa e justa. Herodes protegia esse profeta, mas por causa dos outros o mandou para o martírio. Quando a luz resolve brincar de trevas e se vende ela perde a força.

Herodes não teve coragem de ser ele, prostituiu a própria identidade. Quem vive na penumbra nunca sabe ser inteiro e quem se acomodou em ser penumbra ou trevas tem medo da luz. Quem tem medo da “luzinha” vive sempre pela metade, nunca está inteiro. A pessoa não tem identidade se ela é de acordo com a plateia que ela tem.

Luz é luz, não é possível pedir que ela seja luz pela metade. Os mais jovens aprendem com os mais velhos, se os mais velhos não são inteiros os mais jovens também não o serão. Pai e mãe que não são inteiros, os filhos destes também não o serão.

Padre Fabricio

Padre Fabrício Andrade. Fotos: Wesley Almeida/cancaonova.com

Onde está sua ousadia? Quando eu não vejo o meu valor, isso é prostituição. Uma das coisas que mina a ousadia de um ministro de música é quando ele não recusa o que os outros querem, mas recusa a si mesmo. Quando você se vende, você entrega a cabeça de quem? Dos seus companheiros de ministério, da sua paróquia? Isso acontece quando você não tem coragem de recusar um pedido para tocar um funk, mesmo tocando na igreja. E não recusa tocar aquela música por causa de quem a pediu e desse modo prostitui seu dom.

Ousadia é o ato de ousar, não é poesia. Ousadia não é um artigo para ser guardado. Ousadia não é falta de educação, não é ser estúpido. Ousadia é fazer ou dizer algo que a maioria das pessoas não teria coragem de fazer ou dizer. Ousado é ser inovador, corajoso e valente.

João Batista era santo, justo, ousado e pagou o preço por isso. Você pode pensar: “É melhor fazer uma música que não incomode ninguém.” A raiz da ousadia do seu ministério não está na quantidade de CDs que você vende, a ousadia está na coragem de dizer que você é luz. Quem sabe que não vai ser abandonado por Deus é ousado. A Bíblia está cheia de relatos de homens que foram ousados, que tiveram a coragem de ser luz, sabendo que não seriam abandonados. Guarde bem esta frase:

“Sê para Deus como um pássaro que sente o galho tremer e continua a cantar, sabendo que tem asas” (Dom Bosco).

Não é verdade que várias vezes no seu ministério você sentiu o “galho” tremer? Você tinha aquilo que lhe dava segurança e de repente isso sumiu, não tinha mais. Ao perder a segurança corro o risco de vender minha identidade. Quantas vezes, sem perceber, em troca do aplauso você fez o que não tinha que fazer.

Esse pássaro é ousado e continua a cantar, porque sabe que tem asas. Voltemos ao primeiro amor, ao tempo em que sabíamos que tínhamos asas, ao tempo em que não precisávamos dos aplausos para tocar.

De repente, fomos ficando com medo, porque o “galho” foi tremendo e fomos fechando o bico, porque esquecemos que temos asas. Deus está o chamando a voltar a ter a ousadia do início, quando nem havia tanta estrutura. Deus promete a você que nunca o deixará. Todas as vezes em que você se esquece disso, você corre o risco de prostituir seu dom.

Seria muito bom que você voltasse à ousadia do início, do tempo em que o chamavam de louco, fanático, porque vivia a radicalidade do Evangelho. Não estou falando de saudosismo, mas de lembrar que você tem asas. É ridículo quando o passarinho se esquece que tem asas e rasteja! Ousadia é ter discernimento.

Transcrição e adaptação: Míriam Santos Bernardes

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