Alquimia da dor

Hoje nós temos a alegria de ter duas leituras que acabam sendo um complemento de toda a reflexão que fizemos pela manhã. Quando nós dizíamos que a configuração ao Cristo que acontece em nós por força do Espírito Santo não é apenas a prática de uma religião infértil, não é apenas seguir um ritual religioso, mas, sobretudo é a gente descobrir que a nossa identidade sofreu modificações.

É tão fácil a gente cair na religião do mito – Jesus já nos alertava o tempo todo para o culto dos ídolos – e a idolatria é um dos principais problemas religiosos no mundo. Esse é um risco que todos nós corremos, quando a nossa admiração por alguém, ou por uma pessoa se torna essencial, colocada acima, em termos de importância do que aquele que a pessoa anuncia.

Decepcione-se comigo, mas que a sua decepção comigo não seja uma decepção por Aquele a quem eu anuncio. Decepcionar com o humano, porque é frágil, tem sono, fica mal-humorado, tudo bem, mas não confunda a minha pessoa com Aquele a quem eu anuncio.

Temos que viver uma religião que seja capaz de mexer com as estruturas da nossa consciência, a ponto de nos fazer acordar para tudo aquilo para o qual nós dormíamos e que não sabíamos que existia dentro de nós.

Já estávamos inconscientes e acostumados com o nosso jeito ciumento de amar, jeito ciumento de possuir as pessoas, achando que isso era amor; eu já era desonesto nas pequenas coisas e já estava acostumado. Até que um dia uma palavra profética varou as estruturas da minha vida e me incomodou.

Uma palavra profética tem o poder de fazer algo, de acordar os surdos e aqueles que estão dormindo e que já não escutam mais nada, num sono letárgico, ou até mesmo num cumprimento de rituais inférteis que já não servem de nada para a nossa salvação.

É a continuidade da Santa Missa que nos salva, é a história que fica diferente em cada comunhão comungada, cada mesa partilhada, cada confissão realizada, é o que se segue dali que nos salva. O sacramento não é a mágica de um momento, mas é a continuidade da vida que vai sendo incorporada, porque o sacramento aconteceu em mim.

É disso que Jesus fala: “Não venha me dizer o que você fazia antes, não me importa o que você fazia. Importa-me o que você era. O que faz diferença para mim é o quanto a minha Palavra conseguiu transformar o seu coração a ponto de transformá-lo numa pessoa melhor”. De você olhar para trás e dizer: “Antes eu era assim, e pela força da Eucaristia, do Evangelho, do terço, eu mudei” – todas as manifestações religiosas que você pode ter e viver. Você percebe que a sua vida não é mais a mesma, porque você mudou o seu jeito de pensar, modificou o seu jeito de ser.

A religião que Jesus quer de nós é esta: que você fixe os olhos céu, que você busque o céu.

Quer saber o que vai lhe causar dor? Descubra o processo de saber como educar. Nós somos capazes de seguir uma regra a partir do momento em que a conhecemos. O Deus que nós anunciamos não é uma ameaça.

Se cada um de nós hoje tivesse a oportunidade de contar o que passamos, de escrever a nossa história, tudo o que tivemos de suor, sofrimento e sangue, não teria editora suficiente para tantos livros. Alegria é plantada na dor. Descubra as cicatrizes da sua alma, e saberemos o quanto você é feliz a partir delas.

Nesse calvário, você tem duas opções: ou esquece o peso da cruz ou olha que tem um Cirineu do seu lado. Religião que só nos mostra a cruz é uma religião infértil, porque eu não sou filho do calvário, eu sou filho do Ressuscitado – e quem eu anuncio sempre é o Ressuscitado.

Você não pode ficar parado no "calvário da sua vida" – todos nós passamos todos os dias por ele. Humanidade é isso, é trazer a luz do Ressuscitado para nós e ver que há muito para ser limpo em nós. O anúncio do Evangelho é para nós aprendermos que não temos que ficar com as nossas poeiras, e impurezas.

Você acha que a gente vai ser santo sem sacrifício? Quando eu acendo uma vela com fé, eu acendo a fé dentro de mim também. A gente tem que fazer o sacrifício sim. Quando eu deixar de comer algo é para eu ser melhor. Tem gente que espera a Quaresma inteira sem beber, mas não vê a hora de ela acabarpara "encher a cara" de novo. Se a nossa religião não colocar um pouco de sorriso em nós não vai adiantar de nada.

Eu sei das minhas lutas, mas estou satisfeito, porque eu não me prendo àquilo que eu não posso, mas sim àquele que me anima. A dor sinaliza que alguma coisa precisa ser cuidada. Nós queremos a ressurreição, mas não queremos o calvário.

A dor é o preparo. A semente passa por todo um processo de crescimento, mas ela sabe que se não deixar de ser o que é, não atingirá seu objetivo. Não desista, está apertado, está achando que está difícil, mas a dor faz parte do processo. A sua dor não pode ser em vão. O que você faz com a sua dor? Faz um quadro? Faz música? A genialidade está em transformar a lata velha em ouro. Ou a dor me destrói, ou eu a transformo em processo de ressurreição.

"Me bateu uma tragédia terrível!" Mas eu não paro. Vou buscar força, eu não posso mudar os fatos, mas posso mudar o jeito de ver através dos fatos. Na nossa vida espiritual é assim. Às vezes, a gente quer chegar sem ir. Não se chega a lugar nenhum sem dar o primeiro passo. Nossa vida é um desafio diário e não tem tréguas. É um "lapidar" constante, tirando tudo o que é excesso em nós.

Não tem jeito de amar sem sofrer. Quem ama está o tempo todo querendo cuidar.

Se eu não tivesse sofrido do jeito que eu sofri, se eu não tivesse amado do jeito que eu amei, eu não teria nada para contar a vocês.

Não sinta vergonha de nada que você sofreu, porque depois que passou por aquele momento, você sabe o que você sofreu para chegar onde chegou.

Transcrição: Célia Grego
Fotos: Renan Félix


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