Frei Gilson

Orgulho: a porta que leva o homem ao abismo do inferno

Do orgulho ao grande abismo: a queda do homem

Por Frei Gilson

A Palavra de Deus, especialmente o Evangelho, tem o poder de falar profundamente aos nossos corações. Na parábola do homem rico e Lázaro, narrada no Evangelho de Lucas, capítulo 16, Jesus nos apresenta uma meditação poderosa sobre vida, morte, orgulho e, acima de tudo, o nosso destino eterno. A morte é uma certeza para todos, tanto para o rico quanto para o pobre, e nenhum dinheiro pode comprar a vida eterna nesta terra.

Vamos mergulhar nesta reflexão e entender as lições cruciais que ela nos oferece.

O verdadeiro pecado do rico: o orgulho

O Evangelho descreve um homem rico que se vestia com luxo e se banqueteava todos os dias. À sua porta, jazia um pobre chamado Lázaro, coberto de feridas, desejando apenas as migalhas que caíam da mesa.

Frei Gilson durante a homilia

Segundo São Jerônimo, o pecado do rico não era sua riqueza. O único mal do qual ele é culpado é o orgulho. Esse orgulho o fechou em si mesmo, tornando-o incapaz de olhar para o próximo, de ter compaixão por um “membro do seu próprio corpo” que sofria à sua porta.

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Lázaro estava ali, visível, toda vez que o rico entrava e saía de casa, tornando impossível a desculpa de “eu não o vi”. O rico tinha condições de ajudar, e as migalhas que ele desperdiçava seriam suficientes para Lázaro. Essa indiferença é o orgulho em ação.

São Cirilo de Alexandria destaca que até os cães mostravam mais compaixão por Lázaro do que o homem rico, pois lambiam suas feridas para oferecer algum cuidado, enquanto o rico o feria com seu desprezo.

O nome que Deus pronuncia

Um detalhe profundo, apontado por Santo Agostinho, é que Jesus menciona o nome do pobre (Lázaro), mas silencia sobre o nome do rico. Por quê? Agostinho explica que Deus apenas lê o que está escrito no Livro da Vida. O nome do rico não foi pronunciado porque não estava escrito no céu.

Esta é uma das maiores lições: a maior alegria de uma pessoa não devem ser as conquistas terrenas — casa nova, carro, promoções —, mas sim saber que seu nome está escrito no Livro da Vida. De que adianta ganhar o mundo inteiro e perder a vida eterna? A vida não deve ser uma corrida por status neste mundo, mas um esforço para que nosso nome seja conhecido no céu. O caminho para o céu é o da humildade, enquanto o do orgulho leva para o outro lado.

O grande abismo: uma escolha com consequências eternas

Após a morte, os papéis se invertem. Lázaro é levado ao “seio de Abraão”, um lugar de consolo, enquanto o rico vai para o inferno, um lugar de tormento e chamas. Do inferno, ele clama por compaixão, pedindo que Lázaro refresque sua língua com uma gota d’água.

Abraão explica que existe um “grande abismo” entre o céu e o inferno, impedindo a passagem de um lado para o outro. São Gregório de Nissa interpreta esse abismo não como algo físico, mas como o resultado das escolhas opostas feitas em vida. Quem escolhe os prazeres desta vida e não se arrepende, cava para si mesmo uma cova profunda no futuro. Deus não joga ninguém no inferno; a própria pessoa cava seu destino.

Santo Agostinho reforça: não se deve temer as riquezas, mas os vícios que elas podem trazer, como a ganância, a avareza e o orgulho. A riqueza deve ser possuída com fé, como fez Abraão, sem ser possuído por ela.

Como é o Céu? Como é o Inferno?

A Bíblia é clara sobre o que aguarda cada um. O inferno é descrito como um lugar de fogo, tormento e ranger de dentes, onde não há alívio, nem mesmo uma gota d’água para refrescar. É um fogo eterno, onde não há mais morte para acabar com o sofrimento. A pior dor, talvez, seja a de ver Deus (o Pai) de longe. Não poder abraçá-lo, separado por uma decisão tomada em vida.

Já o céu, conforme descrito em Apocalipse 21, é um “novo céu e uma nova terra”. É a morada de Deus com os homens, onde Ele “enxugará toda a lágrima”, e não haverá mais morte, luto, grito ou dor. É um lugar de festa, onde os que têm sede receberão gratuitamente da fonte da água da vida. O céu é o lugar dos “vencedores”, daqueles que herdarão tudo isso e serão chamados filhos de Deus.

Os “cinco irmãos”: a escravidão dos prazeres

No final, o rico pede que Lázaro seja enviado para avisar seus cinco irmãos e evitar que eles acabem naquele lugar de tormento. São Jerônimo oferece uma interpretação espiritual: esses cinco irmãos representam os cinco sentidos (visão, olfato, paladar, audição e tato), aos quais o rico estava escravizado. Por amar os prazeres carnais proporcionados por esses “cinco irmãos”, ele foi incapaz de amar seu verdadeiro irmão, Lázaro.

A urgência da conversão e do cuidado com a alma

Esta homilia é um chamado urgente para cuidarmos da nossa alma mais do que tudo. Não que cuidar do corpo seja ruim, mas a alma exige prioridade. Cuidamos dela rezando, confessando-nos, comungando, jejuando e lendo a Palavra.

Enquanto temos vida, temos a chance de nos arrepender e de lutar pela nossa salvação e pela conversão daqueles que amamos. A salvação é pessoal, mas nosso dever é lutar por nossas famílias, para que todos os nomes estejam escritos no Livro da Vida. Que Deus nos ajude a escolher o caminho da humildade e da compaixão. Que um dia possamos nos encontrar no Paraíso, onde Cristo nos salvou para nos dar a vida eterna.

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